sábado, 9 de maio de 2009

SINDICATOS, COOPERATIVAS E SOCIALISMO

O surgimento de um cooperativismo revolucionário

Sindicatos e cooperativas são organizações da classe trabalhadora que surgiram, concomitantemente, num processo de resistência e luta dos trabalhadores, durante a revolução industrial, contra a exploração capitalista e são, por natureza e princípios, organizações socialistas. Porém, ambos podem ou não, na sua prática, estar vinculadas a um projeto socialista.
No século passado, as teses dos socialistas utópicos viam no cooperativismo uma forma na qual os trabalhadores, ao mesmo tempo que faziam greves organizadas pelos seus sindicatos, se organizavam em cooperativas. As cooperativas concorreriam com as empresas capitalistas com o objetivo de tomar-lhes o mercado e gerir coletivamente os meios de produção.
No Brasil, o cooperativismo que já tem uma história de quase um século, em poucos momentos esteve vinculado a um projeto socialista. A esquerda brasileira em raros momentos encontrou no cooperativismo um papel revolucionário. Precisamente, apenas no início do movimento operário brasileiro, sindicatos e cooperativas se encontraram unificados num mesmo projeto político.
As décadas de 20 e 30 foi um período de grandes desafios para o movimento sindical brasileiro, marcado pela forte repressão ao movimento sindical independente e pela regulamentação e controle das relações de trabalho e da organização sindical pelo Estado Getulista. Em 1929 é criada a CGTB (Confederação Geral dos Trabalhadores Brasileiros) sobre controle de comunistas.Ao longo de 30 anos, até o golpe militar de 64, esta concepção política orientou o movimento operário no país e mudou radicalmente a visão da esquerda e dos sindicatos sobre as cooperativas.
Sem um papel político articulado à realidade imediata dos trabalhadores, o cooperativismo permaneceu secundarizado na agenda política da esquerda brasileira nas últimas 7 décadas. Este desprezo pelo cooperativismo não se deu apenas por conta da visão política das correntes hegemônicas.
O sindicalismo, atrelado aos alicerces construídos pelo trabalhismo getulista se limitou a representar apenas trabalhadores integrantes do mercado formal de trabalho, considerando o restante dos trabalhadores um resíduo do atraso do desenvolvimento capitalista brasileiro. Somente ao final dos anos 90 que promove-se o reencontro do cooperativismo com o projeto político da classe trabalhadora.
Ao longo de quase todo um século, o cooperativismo ficou nas mãos de projetos políticos burgueses, ou melhor, o cooperativismo foi um dos principais pilares do crescimento da burguesia agrária no Brasil.

A consolidação de um cooperativismo conservador

A ditadura getulista formulou as primeiras leis de regulamentação do cooperativismo no Brasil e a ditadura militar, na década de 70, definiu a estrutura atual do sistema cooperativista. A legislação brasileira impôs uma rígida estrutura, com grandes limites ao desenvolvimento do cooperativismo.

Predominou na área rural o cooperativismo controlado por grandes produtores e tutelado pelo Estado e o processo de expansão das cooperativas agropecuárias foi determinado pelo modelo de modernização da agricultura. Um modelo baseado na modernização tecnológica, na forte intervenção do Estado e num padrão de financiamento com grandes subsídios, que incorporou um grande número de produtores agrícolas. Houve uma profunda transformação da estrutura do setor agrário brasileiro impulsionada por uma rápida e intensiva modificação da base técnica e pela integração de capitais agrícolas, industriais e financeiros. A necessidade de escala na comercialização dos produtos determinou a organização de grandes cooperativas de comercialização.

Este modelo de organização da comercialização não estimulou um processo de organização da produção. Os produtores mantinham sua produção individual, dependente e subordinada às grandes cooperativas. Apesar de um discurso que valorizava os princípios internacionais do cooperativismo baseados na autogestão, a sua gestão é estritamente empresarial, na qual o crescimento da própria cooperativa é o objetivo principal, mesmo em detrimento da melhoria das condições econômicas dos associados. A gestão é centralizada e controlada por técnicos orientados exclusivamente pelos critérios comerciais de custo e benefício. As grandes cooperativas passaram a exercer um monopólio sobre a comercialização dos produtores familiares e um controle sobre a venda de insumos.

Ideologicamente, as cooperativas agropecuárias eram inteiramente engajadas nos discursos conservadores da revolução verde e da modernização da agricultura. Numa mesma cooperativa, grandes proprietários capitalistas e pequenos produtores familiares eram tratados de maneira uniforme, com claros privilégios políticos e econômicos para os primeiros. Inúmeras tentativas de democratização do sistema cooperativista tradicional foram frustradas, inclusive através de métodos ilícitos patrocinados pelos grandes produtores patronais.

Este padrão de crescimento, até então em vigor, entrou em colapso com a crise fiscal, sobretudo porque, tornou-se inviável, em meados dos anos 80, o financiamento dos subsídios ao crédito rural. O modelo das cooperativas agropecuárias, construído de acordo com os modelos de financiamento e comercialização, entra em forte crise econômica com a abertura comercial que provoca a reestruturação das cadeias produtivas na agricultura. As grandes cooperativas passaram a ter uma política mais seletiva, onde os produtores com menores níveis de capitalização, tecnologia e produção.

No final da década de 70 e ao longo dos anos 80, a exclusão de muitos agricultores familiares levou à ação de sindicatos, igrejas e ONGs na busca de construção de um novo tipo de organização, autônoma, democrática, mais adequada às condições econômicas e tecnológicas da agricultura familiar.

As restrições legais e burocráticas para a constituição de cooperativas, abriram espaço para a organização de associações. O associativismo cresceu no meio rural segundo princípios e modelos de organização inteiramente diferentes do cooperativismo. No associativismo criado pelo movimento sindical e popular, privilegiou-se o processo educativo e a participação democrática. Os conhecimentos necessários para a gestão das associações eram construídos de forma participativa. Foram desenvolvidas novas tecnologias a partir do conhecimento acumulado, foram estimuladas as formas coletivas de produção, buscando-se alternativas de financiamento e de comercialização da produção.

As mudanças nas classes sociais, a crise do sindicalismo e a emergência do novo cooperativismo

As transformações no mercado de trabalho e no capitalismo como um todo estão desencadeando a expansão de novas formas de organização do trabalho e da produção. Por iniciativa dos próprios trabalhadores, um grande número de experiências coletivas de trabalho e produção estão se disseminando em todo o país sob diversas formas de cooperativas, associações e empresas em regime de autogestão.

Dois novos processos sociais levam atualmente o sindicalismo a se reencontrar com o cooperativismo. Uma profunda crise do trabalho acompanhada de uma crise de mesma dimensão do próprio movimento sindical. A crise do trabalho, corresponde a um dos períodos mais críticos para os trabalhadores em todo o mundo. Uma redução sistemática e estrutural do emprego formal e a conformação de novas categorias de trabalhadores numa velocidade maior que a capacidade de ação das organizações de trabalhadores. A crise do sindicalismo está assentada nas heranças do modelo corporativo, que não foi capaz de construir uma forte organização nos locais de trabalho ao mesmo tempo que provocou a pulverização da organização, resultando numa baixa capacidade de resistência e luta e numa grande dificuldade em se adequar às transformações no mundo do trabalho e da produção.

Compreende-se que na medida em que se processa uma transição para um modelo de desenvolvimento, devem ser repensadas as estratégias de enfrentamento e de organização do movimento sindical. Um novo projeto político sindical vem se arquitetando sobre novas formas de organização que enfrentem os novos instrumentos de exploração dos trabalhadores.

A recessão e a reestruturação produtiva e seus impactos no mercado de trabalho estão provocando fortes impactos na ação sindical que o colocam numa condição de impasse. As formas de ação sindical mudam, pressionadas pela dinâmica negativa do mercado de trabalho. O arrefecimento das greve e das lutas de massa como principal instrumento de luta é um dos principais sintomas da crise do movimento sindical.

Nossos sindicatos se constituíram com base no trabalhador com carteira assinada e/ou do serviço público. Porém, diminui a base tradicional do movimento sindical e novas demandas surgem das diferentes formas de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho.

A política sindical para a economia solidária deve estar inserida numa agenda que articule a construção das organizações solidárias com os demais aspectos da agenda histórica do movimento sindical. A expansão da economia solidária depende então de políticas que visem o apoio direto, via formação, crédito, assessoria, etc, com políticas que visem a superações de condicionantes econômicos, como as políticas macroeconômicas, os condicionantes legais e as políticas públicas.

No sindicalismo cutista a construção de experiências de economia solidária está sendo articulada a uma política mais sistemática de organização, mobilização e apoio aos desempregados com políticas que buscam implementar cooperativas de produção, bem como políticas de emprego como a criação da Central de Trabalho e Renda, políticas de formação profissional e formulação de propostas de crescimento econômico e geração de emprego e renda.

No ano 2000, o 7 Congresso Nacional da CUT, analisando as transformações na economia, no mercado de trabalho e a persistência do modelo sindical corporativo, aprovou construção de uma economia solidária como uma das estratégias para as ações políticas da CUT. A economia solidária é entendida como um projeto de classe articulado às suas bandeiras históricas. As principais tarefas da CUT são:
- o combate ao falso cooperativismo;
- incentivar a organização dos desempregados;
- lutar pela criação de linhas de crédito e políticas públicas;
- realização de mobilizações conjuntas em defesa do emprego;
- implementar um programa de educação em economia solidária; e
- atuar na construção de um novo cooperativismo através da ADS.

A ADS, Agência de Desenvolvimento Solidário, foi criada com o objetivo de gerar novas oportunidades de trabalho e renda em organizações de caráter solidário e contribuir com a construção de alternativas de desenvolvimento social e sustentável;promover a educação permanente dos trabalhadores para a economia solidária;formular propostas para a legislação e políticas públicas para a economia solidária e difundir os princípios da economia solidária na sociedade.

O Plano Nacional de Formação da CUT tem como um dos seus eixos temático o desenvolvimento sustentável e solidário, no qual são desenvolvidas diversas atividades de formação que dialogam com a problemática do desenvolvimento e os projetos alternativos.

São muitas as iniciativas sindicais para o desenvolvimento de experiências de economia solidária. Dois exemplos ilustram concretamente a relação entre sindicatos e cooperativas. A experiência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC mostra a importância da articulação de lutas históricas da classe trabalhadora com o apoio ao cooperativismo; e a experiência do sindicalismo rural na Amazônia mostra como o cooperativismo vem se constituindo como a principal forma de fortalecimento da agricultura familiar.

O movimento sindical rural na Amazônia vem construindo um projeto de desenvolvimento sustentável para a região assentado em dois grandes eixos. A formulação de políticas públicas e a difusão de experiências sustentáveis de organização da produção.

As lutas conduzidas pelo movimento sindical têm provocado um forte processo de valorização da agricultura familiar tendo como resultados concretos a criação de políticas públicas voltadas especificamente para o setor, como o Pronaf, o FNO especial, o Prodex, dentre outros. O movimento sindical está ainda em constante debate para a formulação e negociação de políticas que venham a eliminar os principais entraves estruturais da produção familiar rural na Amazônia. Estão sendo trabalhadas propostas de mudança, principalmente, nas políticas de pesquisa agropecuária e extrativista, políticas públicas de comercialização, assistência técnica, infra-estrutura e educação. O outro eixo de ação do movimento sindical para a construção do projeto de desenvolvimento rural sustentável está fortemente alicerçado em experiências que se multiplicam em toda a região.

Para viabilizar a abertura de mercado para os produtos das organizações dos produtores rurais, promover intercâmbios entre produtores e a sociedade urbana, divulgar, promover e comercializar os produtos, viabilizar espaços para a realização de negócios e divulgar experiências, pesquisas e incentivos existentes.

Cooperativas e socialismo no debate atual

Não aparece haver dúvidas de que a economia solidária apresenta grande potencial de ampliação das possibilidades de trabalho, propicia maior democratização da gestão do trabalho, distribuição de renda, democratização do crédito e fortalecimento do desenvolvimento local sustentável e transformação social. A grande questão é a qual projeto político esta proposta está relacionada. O debate atual sobre o socialismo busca fundamentalmente uma alternativa ao modelo construído nas experiências do socialismo real.

A tese da economia solidária se contrapõe à tese da revolução política (a conquista do poder estatal como único caminho para a revolução socialista) e defende que a transferência dos meios de produção para os trabalhadores deve ser resultado de um processo em que os próprios trabalhadores estejam desejosos e habilitados para assumir o controle dos meios de produção. Segundo esta visão, as experiências de economia solidária, especialmente as cooperativas, seriam também potenciais embriões de um processo de revolução social socialista. A primazia de valores como a solidariedade, a democracia, a autogestão e a autonomia sobre valores do capital, combinada com a eficiência econômica, coloca tais experiências na condição de coexistir com o mercado capitalista ao mesmo tempo que o questiona.

As experiências apresentam também um enorme potencial de revigorar energias de setores populares excluídos, de emancipação e de apropriação de tecnologias produtivas e organizacionais mais adequadas aos saberes populares. Ou seja, é um processo de construção de cidadania. Além disso, a igualdade de condições pressupõe, não somente a igualdade formal de participação, como fundamentalmente, uma igualdade substantiva quanto aos meios materiais (recursos econômicos que podem converter-se em recursos políticos) de que dispõem os vários sujeitos e setores da sociedade para o pleno exercício e funcionamento da democracia. Sendo assim, alguma forma de socialização da riqueza, o que passa por alguma forma de socialização da propriedade, deveria ser implementada.

A economia solidária vem sendo colocada como uma das frentes de luta pelo socialismo. A vinculação das cooperativas, bem como dos sindicatos, a um projeto socialista depende fundamentalmente da luta permanente da classe trabalhadora. O sucesso da economia solidária depende de um processo ao mesmo tempo econômico e político, um processo lento de mudança cultural, de comportamentos, combinado com a capacitação política que rompa progressivamente com uma ideologia de subordinação e de competição entre os trabalhadores e o fortalecimento da capacidade técnica e econômica que amplie as suas condições de produção e de gestão.

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